Esquerda e direita no espelho das ONGs

2000

Autores

Paulo Eduardo Arantes

Sinopse

Paulo Arantes problematiza neste conhecido artigo o léxico "dos direitos da cidadania" que tem sido utilizado por autoridades governamentais vinculadas à área social e por empresas – um sistema de simulacros, uma vez que enseja a mistura dos papéis e camufla os reais interesses dos segmentos sociais envolvidos, num jogo de "coisas trocadas". Exemplos do linguajar, oriundo de ONGs, são as expressões "sociedade civil", "espaços sociais", "compromisso" e "envolvimento" entre os "atores", conduzindo a uma "participação cidadã". Da órbita empresarial, provêm "vivência empresarial", "cumplicidade", "envolvimento com o seu entorno", "parceiros" e "interlocutores no mercado", "empresa cidadã". Esse léxico integra o corpo das políticas compensatórias recomendadas pelos patrocinadores da reestruturação econômica e social em curso, tendo o Banco Mundial à frente. Nesse arcabouço de mudanças, está incluída uma nova concepção do papel do Estado, com enxugamento de parcela específica de suas funções, principalmente aquela de executor das políticas sociais, engendradas sob a égide do keynesianismo. A concretização dessas políticas passa a ser delegada a "parceiros da sociedade civil", entidades sem fins lucrativos, contando com repasses de verbas públicas. (...) Advoga-se o lugar de um Terceiro Setor gerencialmente enxuto, um Estado parceiro-facilitador que deve "estrategicamente" se retirar assim que as organizações não governamentais "demonstrarem" a superioridade de suas vantagens comparativas, uma vitória sem muito esforço, já que não havia mais em campo com quem competir, salvo a sucata preparada para tal efeito demonstrativo. Quanto às empresas, Paulo identifica presentemente a existência de "um surto esquizofrênico, pois agem, mas sobretudo falam, dando a entender que no fundo são organizações sociais sem fins lucrativos", sem, de fato, perderem a veia comercial que lhes é intrínseca. As empresas capitalizam o trabalho "voluntário" que induzem seus empregados a fazer junto às "comunidades", transformando-o em vantagem competitiva, mediante a agregação da imagem de "empresa cidadã" aos produtos e/ou serviços que colocam no mercado. O fenômeno pode ser resumido pela utilização distorcida das palavras que denomina, utilizando expressão de Vera da Silva Telles, "espantoso deslizamento semântico", contextualizando-o e denunciando sua intenção de colocar o mundo "de ponta-cabeça", de enevoar a consciência, de confundir. Esse léxico cumpre, portanto, as funções da ideologia, procurando encobrir a desigualdade na distribuição da riqueza e do poder no interior da sociedade capitalista.

(Da resenha de Maria Rosa Lombardi)

Palavras-chave: ONG, reforma do Estado, empresa-cidadã, sociedade civil, terceiro setor, organizações sociais, Banco Mundial, parcerias, direitos da cidadania, marketing, público-alvo, lógica gerencial, empoderamento, privatização, linguagem, deslizamento semântico. 

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ISBN

978-65-00-27318-2

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